terça-feira, 2 de agosto de 2011

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE


ACÓRDÃO: 20118603
APELAÇÃO CÍVEL 0984/2011
PROCESSO: 2011201933
RELATOR: DES. ROBERTO EUGENIO DA FONSECA PORTO

APELANTE BANCO ITAUCARD S/A Advogado(a): PAULO CESAR SAVERGNINI
APELANTE ITAU SEGUROS S/A Advogado(a): MILENA GILA FONTES
APELADO ESPOLIO DE XXXXXXXXXXXXXXX Advogado(a): MEIRITÂNIA XAVIER ALENCAR
APELADO XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX(a): MEIRITÂNIA XAVIER ALENCAR
APELADO XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX Advogado(a): MEIRITÂNIA XAVIER ALENCAR
APELADO XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX Advogado(a): MEIRITÂNIA XAVIER ALENCAR
APELADO XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX Advogado(a): MEIRITÂNIA XAVIER ALENCAR



EMENTA

APELAÇÕES CÍVEIS - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INADIMPLEMENTO CONTRATUAL CUMULADA COM PEDIDO INDENIZATÓRIO - PRELIMINAR DE FALTA DE INTERESSE DE AGIR - RESISTÊNCIA DA SEGURADORA EM HONRAR O PACTO - REJEITADA - MÉRITO - CONTRATO DE FINANCIAMENTO COM CLÁUSULA DE SEGURO POR MORTE DO SEGURADO - QUITAÇÃO DO SALDO DEVEDOR - RELAÇÃO SUBMETIDA AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - ARTIGO 3º, §2º DA LEI 8078/90 - PREVISÃO CONTRATUAL SEM QUALQUER EXIGÊNCIA ESPECÍFICA - PROVA DO ÓBITO - PEDIDO DE REPARAÇÃO MORAL - INADIMPLEMENTO CONTRATUAL - POSSIBILIDADE - CARACTERIZAÇÃO DO DANO - AJUIZAMENTO DE AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO E RECUSA NO CUMPRIMENTO DO CONTRATO - MANUTENÇÃO DO VALOR - APELOS CONHECIDOS E IMPROVIDOS - DECISÃO UNÂNIME.






ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, acordam os integrantes do Grupo III da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, por unanimidade, conhecer dos recursos e lhes negar provimento, em conformidade com o relatório e voto constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



Aracaju/SE, 28 de Junho de 2011.


DES. ROBERTO EUGENIO DA FONSECA PORTO
RELATOR





RELATÓRIO

Des. ROBERTO EUGENIO DA FONSECA PORTO (Relator): Trata-se de recursos de apelações interpostos pelo Itaú Seguros S/a e Banco Itaucard S/a em face da decisão que julgou a ação declaratória de inexistência de débito, cumulada com indenização por dano moral ajuizada pelo Espólio de XXXXXXXXXXXXXXXXXXX e outros. Eis o desfecho da sentença: "Ante o exposto, decido: ... 2- Julgo Procedente o pedido autoral para fins de declarar a inexistência de débito oriundo do contrato de nº 12945969-9, tudo em virtude da obrigação de quitação dos requeridos quanto ao saldo devedor do financiamento à data do sinistro, por força do contrato de seguro também firmado pelas partes; 3- Julgo Procedente o pleito de danos morais, condenando os réus, solidariamente, ao pagamento de indenização por danos morais no importe total e integral de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), cujos valores deverão ser acrescidos de correção monetária pelo INPC contados desta data, mais juros de mora de 1 ao mês, contados do inicio do evento danoso, qual seja, distribuição da ação de nº 201011300169 (19/02/2010), tudo com base nos artigos 269, I e 333 I e II do CPC c/c art. 14 do CDC e arts. 186 e 756 e seguintes do NCC....." (fls. 119). A Itaú Seguros alega, preliminarmente, a falta de interesse de agir dos autores, asseverando que não houve negativa de pagamento da indenização prevista no contrato. No mérito, alega que possui o dever de diligência, o qual impõe a necessidade de liquidar o sinistro, sendo que, para tanto, precisa seguir alguns procedimentos com exigência de documentos, os quais não foram entregues pelos apelados. Sustenta que não houve inadimplemento contratual e, acaso vencidas tais alegações, pugna pela redução do quantum da indenização. Por essas razões, pede o provimento do recurso (fls. 123/142). Às fls. 218/222 avista-se o recurso interposto pelo Banco Itacard S/a, no qual o requerido faz algumas ponderações sobre o feito e pede o provimento do recurso para reduzir o valor da indenização (fls. 158/167). Contrarrrazões às fls. 173/192. A Procuradoria de Justiça, chamada a opinar, emitiu parecer pelo improvimento do recurso principal e não conhecimento do adesivo (fls. 199/204). É o relatório.




VOTO




Des. ROBERTO EUGENIO DA FONSECA PORTO (Relator):

Conheço dos recursos pelo preenchimento dos requisitos de admissibilidade.

A questão é simples.

Foi firmado um contrato de financiamento para aquisição de veículos, no qual consta uma cláusula referente ao seguro para o caso de morte do segurado, cujo prêmio é a própria quitação do saldo devedor - Cláusula 13, fls. 30. Considerando a morte do contratante, os herdeiros vieram a juízo para fazer valer os termos contratados.

Inicialmente, impende analisar a preliminar.

Uma das condições da ação, interesse de agir, pode ser definido como a necessidade do provimento jurisdicional. In casu, a presente ação é útil/necessária para compelir a seguradora ao cumprimento do contrato, especialmente considerando a resistência do requerido, caracterizada pelo ajuizamento de uma ação de busca e apreensão do bem objeto do contrato.

Portanto, evidente que os autores não são carentes de ação, razão pela qual rejeito a preliminar.

No mérito, melhor sorte não assiste ao apelante, diante da clarividência do direito autoral.

Primeiramente, importante lembrar que a atividade securitária está sob a égide do Código de Defesa do Consumidor, nos termos do artigo 3º, §2º. Dentro desse contexto, havendo divergência quanto às obrigações das partes, deve o intérprete, na análise das cláusulas contratuais, observar o preceito contido no artigo 47 do mesmo diploma, in verbis:

As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor .



Sendo assim, não há razão para a seguradora dificultar o cumprimento do disposto no contrato no tocante à quitação em caso de morte, quando não há qualquer exigência específica na cláusula, cujo teor a seguir transcrevo:

13- SEGUROS DE PROTEÇÃO FINANCEIRA E DO VEÍCULO - É facultada ao Cliente a contratação de:

a) seguro de proteção financeira em benefício do Credor, com financiamento do respectivo prêmio, com finalidade de pagamento do saldo devedor da Operação nos casos de morte (natural ou acidental), ... (fls. 30)



Ora, como se observa, considerando a morte do segurado, devidamente comprovada através da certidão de fls. 36, caberia à apelante diligenciar no sentido de considerar quitado o saldo devedor do financiamento.

No tocante à exigência de documentos para a liquidação do sinistro, verifica-se dos autos que a apelante não trouxe qualquer prova de sua alegação, ou seja, não demonstrou que formou um procedimento administrativo para pagamento do prêmio, ou que solicitou aos autores algum documento imprescindível para a obediência da cláusula. Aliás, vale registrar que tal ônus lhe cabia, nos termos do artigo 333, II do CPC.

Note-se que a resistência da seguradora é de tal forma evidente, que até a presente data não cumpriu sua parte no negócio jurídico, ainda resistindo à pretensão dos autores.

Assim, comprovado o inadimplemento contratual, passo a análise do dano moral.

Sabe-se ser perfeitamente possível haver dano extrapatrimonial em decorrência do descumprimento de cláusula contratual. O tema foi muito bem abordado na obra de Rui Stoco - Tratado de Responsabilidade Civi - com as seguintes ponderações:

Não se deslembre, porém, que a responsabilidade contratual e extracontratual regulam-se racionalmente pelos mesmos princípios, porque a idéia de responsabilidade, como enfatizado, é uma, ... . Desse exórdio extrai-se a conclusão básica no sentido de que a responsabilidade, contratual ou extracontratual, objetiva ... ou subjetiva ou aquiliana, baseada na culpa, conduzem na mesma direção: o dever de reparar o dano.

Esse dano é que se bifurca e se direciona para duas vertentes: o prejuízo de ordem material ou patrimonial e o impropriamente chamado dano moral .

Mas, insista-se, a origem do dano é a mesma e a conseqüência do comportamento da pessoa é a eclosão de um dano.

Dessarte, na responsabilidade dita contratual, em razão do inadimplemento de cláusula, ou da avença como um todo, o inadimplente tanto poderá obrigar-se a reparar o dano patrimonial como, eventualmente, ser compelido a compor o dano moral.

...

O pranteado e saudoso Carlos Alberto Bittar lembrava que a ruptura injusta de um contrato pode acarretar diminuição patrimonial pela falta de ingresso de numerário; perda de eventual negócio outro encetado; sensação de desconforto por impossibilidade de pagamento de dívida existente; constrangimento pessoal; situação vexatória pela inadimplência ... (Reparação civil por danos morais. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 1992. n.8, p.51).

Colhe-se em Yussef Said Cahali que a doutrina acabou se firmando no sentido da existência de dano moral reparável, resultante do descumprimento de obrigações de natureza contratual ...(Dano moral, 2.ed.Sã Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p.529-533) - Grifei.

Portanto, pouco importa a origem do dano, decorrente de um descumprimento de cláusula contratual ou decorrente de violação a direito de outrem sem qualquer liame jurídico entre a vítima e o causador do dano - responsabilidade aquiliana. Importa averiguar se houve um dano, patrimonial ou extrapatrimonial, o qual deve ser ressarcido.

Ainda sobre o tema em discussão, vale registrar a crítica do autor ao atual Código Civil:

Note-se que à época em que posto a lume (começo do século passado - 1916) o Código Civil anterior mostrou-se restritivo, prevendo apenas a reparação por danos patrimoniais, no que foi, lamentavelmente, seguido pelo Estatuto atual, nessa parte tão restritivo quanto ao que sucedeu.

Não obstante isso, na linha do nosso pensamento exposto acima, a doutrina pátria e aliunde não discrepam no sentido de afirmar a possibilidade de compensação por dano moral decorrente do inadimplemento contratual, como não poderia deixar de ser, diante do advento da Constituição Federal de 1988 e do Código de Defesa do Consumidor, consagrando o direito de indenização por ofensas e gravames de natureza não patrimonial . (mesma obra pág. 1679)

Destarte, é perfeitamente possível a reparação moral decorrente de inadimplência contratual, sendo imperioso analisar as peculiaridades caso a caso.

Na hipótese dos autos, recusou-se a seguradora a honrar, de imediato, o prêmio do seguro, com a quitação do financiamento do carro. A respeito do tema, valiosas foram as ponderações da MM. Julgadora de 1º Grau:

... no caso em espeque não se está diante de um mero descumprimento de contrato, mas, sim, de atitudes que geram efetivamente danos à imagem e à honra dos autores. Vejamos:

De início, tem-se como induvidoso o dever da seguradora em proceder ao pagamento de quitação do saldo devedor do financiado à data do óbito.

Temos, ainda, o fato de que o seguro foi feito para propiciar conforto e tranquilidade ao segurado e/ou seus sucessores, que não ocorreu no caso em tela.

Por fim, tem-se, também, a interposição da ação de busca e apreensão, tombada sob nº 201011300160, fato que, certamente, causou abalo ao equilíbrio emocional dos sucessores do financiado.

A ameaça decorrente do suposto inadimplemento, qual seja, a perda do bem mediante ação para retomada do bem é fonte de ofensa moral. Ressalte-se também o momento delicado pelo qual passavam os autores, após a morte de seu genitor/marido.

Logo, são visíveis e patentes os danos morais causados aos autores, que, no caso sob enfoque, é in re ipsa, prescindindo de comprovação (fls. 118verso).



Diante do exposto, portanto, resta configurado o abalo moral indenizável.

A respeito do quantum, como é sabido, não há uma medida pré-determinada. Impõe-se ao Magistrado valorar as circunstâncias do caso concreto e as condições das partes envolvidas, não se olvidando que a condenação tem caráter punitivo e ressarcitório.

Nesse viés, considerando que há mais de ano a seguradora teve conhecimento do óbito e persiste na sua resistência em honrar o pacto, mostra-se razoável o valor fixado na Instância a quo em R$ 15.000,00.

Pelo exposto, voto pelo improvimento de ambos recursos, conforme fundamentos supra transcritos.

É como voto.




Aracaju/SE,28 de Junho de 2011.





DES. ROBERTO EUGENIO DA FONSECA PORTO
RELATOR

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