quinta-feira, 25 de agosto de 2011

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITOS REAIS. AÇÃO DE IMISSÃO DE POSSE C/C REPARAÇÃO DE DANOS. PRELIMINAR: ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. ACOLHIMENTO. TESE EM QUE RESTEI VENCIDA. DENUNCIAÇÃO À LIDE. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE O RECORRENTE E AS EMPRESAS DENUNCIADAS. MÉRITO: IMÓVEL ADQUIRIDO POR ARREMATAÇÃO. TRANSFERÊNCIA DE PROPRIEDADE. OBSERVÂNCIA DOS DITAMES LEGAIS. TÍTULO TRANSLATIVO REGISTRADO NO CARTÓRIO COMPETENTE. FORÇA PROBANTE DO REGISTRO. DIREITO DE PROPRIEDADE DA AUTORA RECONHECIDO. CONTRATO PARTICULAR DO DEMANDADO NÃO REGISTRADO. INEXISTÊNCIA DE EFEITOS ERGA OMNES. NOME DE ALIENANTE NÃO FIGURA NA CADEIA DE TRANSFERÊNCIA DO IMÓVEL GRAVADO COM HIPOTECA. NÃO EXERCÍCIO DA FACULDADE PREVISTA NO ART. 17 DA LRP. SITUAÇÃO JURÍDICA DO IMÓVEL NÃO INVESTIGADA PELO RECORRENTE. RISCO ASSUMIDO. RESSARCIMENTO DE BENFEITORIAS. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. DECISÃO UNÂNIME.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE

ACÓRDÃO: 201111090
APELAÇÃO CÍVEL 1397/2010
PROCESSO: 2010203250
RELATOR: DESA. SUZANA MARIA CARVALHO OLIVEIRA

APELANTE DELCAR MULTIMARCAS LTDA Advogado(a): JULIO ROCHADEL MOREIRA
APELANTE DELIO EVANGELISTA DA SILVA Advogado(a): JULIO ROCHADEL MOREIRA
APELADO GIZELDA SANTOS DE FRANÇA Advogado(a): LEILA LIMA SANTOS

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITOS REAIS. AÇÃO DE IMISSÃO DE POSSE C/C REPARAÇÃO DE DANOS. PRELIMINAR: ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. ACOLHIMENTO. TESE EM QUE RESTEI VENCIDA. DENUNCIAÇÃO À LIDE. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE O RECORRENTE E AS EMPRESAS DENUNCIADAS. MÉRITO: IMÓVEL ADQUIRIDO POR ARREMATAÇÃO. TRANSFERÊNCIA DE PROPRIEDADE. OBSERVÂNCIA DOS DITAMES LEGAIS. TÍTULO TRANSLATIVO REGISTRADO NO CARTÓRIO COMPETENTE. FORÇA PROBANTE DO REGISTRO. DIREITO DE PROPRIEDADE DA AUTORA RECONHECIDO. CONTRATO PARTICULAR DO DEMANDADO NÃO REGISTRADO. INEXISTÊNCIA DE EFEITOS ERGA OMNES. NOME DE ALIENANTE NÃO FIGURA NA CADEIA DE TRANSFERÊNCIA DO IMÓVEL GRAVADO COM HIPOTECA. NÃO EXERCÍCIO DA FACULDADE PREVISTA NO ART. 17 DA LRP. SITUAÇÃO JURÍDICA DO IMÓVEL NÃO INVESTIGADA PELO RECORRENTE. RISCO ASSUMIDO. RESSARCIMENTO DE BENFEITORIAS. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. DECISÃO UNÂNIME.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, acordam os integrantes do Grupo II da 1ª Câmara Cível, do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, por unanimidade, conhecer do recurso e NEGAR PROVIMENTO, em conformidade com o relatório e voto constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Aracaju/SE, 22 de Agosto de 2011.


DESA. SUZANA MARIA CARVALHO OLIVEIRA
RELATOR

RELATÓRIO

DESEMBARGADORA SUZANA MARIA CARVALHO OLIVEIRA (RELATORA): Trata-se de Apelação Cível interposta por DÉLIO EVANGELISTA DA SILVA, nos autos da Imissão de Posse c/c Reparação de Danos ajuizada por GIZELDA SANTOS DE FRANÇA, com o objetivo de modificar sentença proferida pelo Juízo de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Aracaju, que julgou procedentes os pleitos autorais (fls. 44/46). Nas razões recursais de fls. 57/66, o apelante levanta, em sede de preliminar, a ilegitimidade passiva ad causam da empresa Delcar Multimarcas Ltda, indicada na vestibular de fls.02/07, porquanto esta não tem relação com os fatos alegados. Defende que é o verdadeiro possuidor do imóvel, conforme contratos de empreitada e de compra e venda acostados às fls. 30/33, e que seu nome não figurou na inicial. Pugna pela denunciação da lide da Empresa Gestora de Ativos (EMGEA) e da Caixa Econômica Federal. No mérito, aduz que a alienação do imóvel à recorrida é nula de pleno direito, posto que o Sr. Manoel Messias Silva dos Anjos, primeiro cessionário do bem, lhe transferiu, em 20.06.1999, todos os direitos e obrigações, conforme contrato de compra e venda e cessão de direitos e obrigações de fls. 32/33, em observação ao artigo 654, §1º, do Código Civil. Assevera, ainda, que a EMGEA e a Caixa Econômica Federal deixaram, ao livre arbítrio, de enviar boleto de cobrança, e, de forma ilegal, transferiu seu direito e obrigação a um terceiro. Acrescenta que não lhe foi dado o direito de preferência previsto em lei. Por meio de pedido subsidiário, pugna pelo ressarcimento das despesas oriundas da realização de benfeitorias necessárias, úteis e voluptuárias no imóvel em litígio. As contrarrazões estão insertas às fls. 69/75. A Procuradoria de Justiça, instada a se manifestar, opinou, por meio do parecer de fls. 81/88, pelo desprovimento do recurso. É o relatório.

VOTO


DESEMBARGADORA SUZANA MARIA CARVALHO OLIVEIRA (RELATORA): O recurso é tempestivo e se encontra acompanhado de preparo (fl. 67). Preenche, por conseguinte, os requisitos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.



Cuida-se de Apelação Cível interposta por DÉLIO EVANGELISTA DA SILVA, nos autos da Imissão de Posse c/c Reparação de Danos ajuizada por GIZELDA SANTOS DE FRANÇA, com o fito de modificar sentença proferida pelo Juízo de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Aracaju, que julgou procedentes os pleitos autorais (fls. 44/46).



Como restei vencida na preliminar referente à ilegitimidade passiva, conforme julgamentos proferidos nas sessões dos dias 07 e 13 de junho do ano em curso (fls. 97/98), passo a analisar o mérito.



Trata-se de demanda em que se discute a posse do imóvel localizado na Avenida 07 de Setembro, nº 786, antiga Rua Nobre de Lacerda, nesta urbe.



Insta destacar que a ação de Imissão na posse é o meio processual cabível para conferir posse a quem ainda não a tem, o que evidencia sua natureza petitória. De fato, prevalece, na jurisprudência e na doutrina, a natureza petitória da referida ação, pois se funda na proteção ao direito à posse e não na proteção ao fato jurídico da posse. Isso quer dizer que a ação se destina a conferir posse, e não a proteger uma posse já existente. Logo, é uma demanda petitória, de que a causa de pedir está fundada no jus possidendi, ou seja, no direito à posse.



É certo que a imissão na posse tem sido utilizada por arrematante de imóveis, com suporte na carta de arrematação, para haver a posse dos bens arrematados em poder de outrem, como o é o caso dos autos.



Ab initio, faz-se necessário analisar a denunciação à lide da Empresa Gestora de Ativos (EMGEA) e da Caixa Econômica Federal.



Sabe-se que a denunciação à lide é a modalidade de intervenção de terceiro, em que uma das partes (denunciante) da demanda original chama a juízo terceira pessoa (denunciado), com quem mantém um vínculo jurídico, para vir responder pela garantia do negócio, caso reste vencido no processo. Nesse contexto, a denunciação da lide só deve ser admitida quando o denunciado esteja obrigado, por força de lei ou do contrato, a garantir o resultado da demanda, caso o denunciante resulte vencido.



No caso dos autos, inexiste qualquer relação jurídica entre o denunciante, ora recorrente, e as mencionadas instituições que justifique a denunciação à lide.



Não bastasse, como bem destacou o Sentenciante de piso, caberia ao apelante demandar judicialmente contra o cessionário, Sr. Manoel Messias Silva dos Anjos, com quem firmou negócio jurídico, como se extrai do documento de fls. 32/33, e não contra as instituições de que se pretende a denunciação. Logo, neste ponto, razão não assiste ao recorrente.



No mérito recursal, em síntese, o recorrente defende a nulidade do negócio jurídico realizado entre a EMGEA e a apelada, por ter adquirido anteriormente o imóvel em que se discute a posse, e, eventualmente, pugna pelo ressarcimento das benfeitorias necessárias, úteis e voluptuárias.



Infere-se dos autos que o imóvel, de que se pretende a posse, foi registrado no Cartório da 1ª Circunscrição desta capital, no livro nº 2DQ, fls. 141 a 141-A, conforme cópia autenticada acostada pela autora às fls. 13/15, em que consta a cadeia de sucessões de adquirentes.



Extrai-se do registro geral que, em 10.03.1997, o imóvel, objeto da lide, foi dado em garantia, na forma de hipoteca, à Caixa Econômica Federal pelo Sr. James Servulo Santos e por sua esposa, antigos proprietários. Outrossim, observa-se que a mencionada instituição financeira cedeu, por meio de escritura pública, o crédito hipotecário a União, que, em seguida, o transferiu à Empresa Gestora de Ativos (EMGEA), com a observância dos ditames legais.



Verifica-se, ainda, que a EMGEA adquiriu em 2004, a título de arrematação, dos antigos transmitentes, o referido imóvel, e, posteriormente, o alienou a Srª. Gizelda Santos de França, ora apelada, por meio de escritura pública de fls. 09/12, devidamente averbada no Registro de Imóveis da 1ª Circunscrição desta capital.



Em outra guisa, nota-se, por meio do contrato particular de compra e venda juntado às fls. 32/33, que o imóvel em litígio foi vendido ao demandado, ora recorrente, pelo Sr. Manoel Messias, em junho de 1999. No entanto, sem ter sido registrado no cartório competente.



Diante do contexto fático-probatório que se desenha nos autos, alguns pontos relevantes devem ser destacados.



Primeiramente, a transferência do imóvel em discussão, realizado entre a EMGEA e a autora, ora recorrida, ocorreu dentro dos ditames legais.



Para proporcionar maior segurança aos negócios imobiliários, o legislador criou um sistema de registros públicos. No direito pátrio, a propriedade de um imóvel somente se transfere pelo registro do título translativo no Cartório de Imóveis competente, nos termos do artigo 1.245, do Código Civil vigente, in verbis:



_Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

§ 1o Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.

§ 2o Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel._ grifou-se



Não há dúvidas de que, para a transmissão de direitos reais, se faz necessário o registro do instrumento translativo, que confere publicidade às transações imobiliárias, valendo, inclusive, contra terceiros.



No caso dos autos, a escritura pública de compra e venda de fls. 09/12 foi lavrada e registrada no cartório da circunscrição imobiliária, em que o imóvel está localizado, de acordo com o que determina a lei.



Deve preponderar a regra segundo a qual, aquele que registra primeiro é o dono. No caso, a autora adquiriu o imóvel por escritura pública devidamente matriculada no Cartório de Registro de Imóveis. Assim, deve esta prevalecer, diante da previsão do artigo 1.245 , § 1º do Código Civil.



Destaque-se que os registros têm força probante, porquanto gozam de presunção de veracidade (juris tantum). Desse modo, reputa-se pertencer o direito real à pessoa, em cujo nome o imóvel encontra-se registrado, até que o contrário seja demonstrado, por meio de ação própria.



Logo, não há que se falar em nulidade da aquisição do imóvel pela demandante, ora apelada, que se tem como a verdadeira proprietária do imóvel em litígio.



O segundo ponto a ser destacado é que o contrato particular de fls. 32/33 acostado pelo demandado, ora apelante, firmado com o Sr. Manoel Messias, não atendeu aos requisitos exigidos em lei, porquanto não foi devidamente registrado. Deste modo, entende-se que não produziu efeitos erga omnes.



Não basta o contrato particular para a transferência ou aquisição da propriedade. Nos termos do artigo 481, do Código Civil vigente, o instrumento contratual apenas cria obrigações e direitos, sem implicar na transferência do domínio do imóvel.



Anote-se que apenas se admite o registro de um título, na hipótese de o alienante ser a mesma pessoa que figura no registro como o seu proprietário, de acordo com o que se depreende da redação do artigo 195, da Lei 6.015/73, in litteris:



_Art. 195 - Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro._ (Renumerado do art. 197 com nova redação pela Lei nº 6.216, de 1975).



No caso em apreço, não consta o nome do Sr. Manoel Messias na cadeia de sucessão, constante no documento de fls. 13/15, o que impossibilitaria o registro do imóvel em nome do apelante.



Ademais, não obstante o apelante ter ciência da existência de débito a ser cumprido, os instrumentos contratuais de fls. 29 e 32/33 não passaram sob o crivo da Caixa Econômica Federal ou da EMGEA, credoras do crédito hipotecário.



Outra ponderação a ser feita é que o recorrente, antes de estabelecer o mencionado contrato particular de compra e venda, não investigou a situação jurídica do imóvel em discussão, posto que, se tivesse agido de forma contrária, teria constatado que o gravame da hipoteca recaia sobre o mesmo desde 1997.



De fato, nos moldes do artigo 17, da Lei de Registros Públicos, qualquer pessoa pode requerer certidão de registro sem a necessidade de informar ao oficial ou ao funcionário o motivo ou interesse do pedido. Eis o seu teor:



_Art. 17. Qualquer pessoa pode requerer certidão do registro sem informar ao oficial ou ao funcionário o motivo ou interesse do pedido._



Não bastasse, o apelante deixou de receber os boletos bancários referentes às prestações acordadas para o pagamento. No entanto, não procurou saber, administrativamente, o motivo da suspensão da cobrança. Pelo contrário, agiu como se tivesse sido beneficiado com a dispensa das demais parcelas devidas.



Restou comprovado nos autos que a autora é, de fato, a verdadeira proprietária do imóvel e que, portanto, tem direito à posse do mesmo.



Com referência ao ressarcimento das benfeitorias no imóvel, tem-se que, como bem assinalou o Magistrado Monocrático, a autora não deve arcar com as mesmas, haja vista que quem causou prejuízo ao apelante foi o Sr. Manoel Messias. Oportuno transcrever trecho da sentença monocrática na parte que interessa:



_...Com relação às benfeitorias, se o réu achou de efetuar o investimento mesmo dentro destas condições, quem lhe deu o suposto prejuízo por certo não foi a autora, mas provavelmente o antigo proprietário. Tome-se ainda o período em que ocupou o imóvel, considerando a média do que se poderia apurar para efeit

Aracaju/SE,22 de Agosto de 2011.





o da aventada compensação. Em suma, nada há a reclamar da autora, e esta, induvidosamente proprietária do imóvel em questão, conta com pleno respaldo legal para o amplo exercício deste direito, especialmente pela fruição de sua posse..._ (fl. 46)



Ressalte-se que ao realizar supostas benfeitorias no imóvel, do qual sabia pendente o pagamento de prestações, o recorrente assumiu o risco.



É descabida, assim, a pretensão recursal em relação à indenização pelas supostas benfeitorias, porquanto a autora, que adquiriu o imóvel da EMGEA, não mantém qualquer relação jurídica com o apelante que pudesse ensejar o dever de indenizá-lo.



Diante de todo exposto, conheço do recurso para lhe negar provimento, mantendo-se incólume a sentença a quo em todos os seus termos.



É como se vota.

Aracaju/SE,22 de Agosto de 2011.




DESA. SUZANA MARIA CARVALHO OLIVEIRA
RELATOR
SENTENÇA
Dados do Processo
Número
200910100252
Classe
Imissão de Posse Competência
1ª VARA CíVEL Ofício
único
Guia Inicial
200910007280 Situação
JULGADO Distribuido Em:
09/03/2009 Local do Registro
Distribuidor do Fórum Gumersindo Bessa
Julgamento
29/09/2009




Dados da Parte
Autor GIZELDA SANTOS DE FRANÇA Advogado(a): RONNY PETTERSON OLIVEIRA MELO - 2527/SE
Advogado(a): LEILA LIMA SANTOS - 2722/SE
Reu DELCAR MULTIMARCAS LTDA Advogado(a): JULIO ROCHADEL MOREIRA - 2968/SE
Advogado(a): TIAGO LUIS CRACCO MESSAS - 3994/SE
Advogado(a): FELIPE GOMES ROCHA - 5217/SE
Reu DELIO EVANGELISTA DA SILVA




Processo nº 200910100252


Vistos etc.

GIZELDA SANTOS DE FRANÇA, através de patrono constituído, promove AÇÃO DE IMISSÃO DE POSSE C/C REPARAÇÃO DE DANOS contra MULTIMARCAS DELCAR LTDA., ambos identificados às fls. 02, aduzindo em síntese, o seguinte:

Adquiriu junto à EMGEA – Empresa Gestora de Ativos a propriedade de um terreno situado na Av. 7 de setembro, no trecho entre a Rua Riachão do Dantas e a Av. Pedro Calazans, medindo 4,70m de largura por 54m de comprimento. Ocorre que o referido imóvel encontra-se na posse direta de uma terceira pessoa, qual seja, a demandada, a qual mantem sua atividade econômica no local sem qualquer ônus pela utilização (garagem para a guarda de veículos).

Nestas condições, juntando os documentos de fls. 08/15, vindica a tutela judicial para que possa imitir-se na posse do imóvel adquirido, inclusive de forma antecipada. Pugna, ademais, pela reparação dos danos sofridos pela permanência injustificada da empresa-ré no imóvel, mesmo ciente da situação.

Tutela interinal indeferida (fls. 47/49).

O Sr. Delio Evangelista da Silva, sócio da empresa-ré, comparece aos autos com a resistência processual e documentos de fls. 21/33. Preliminarmente, requer a exclusão da Multimarcas Delcar Ltda. do polo passivo, uma vez que o contestante foi o comprador de direito e de fato do imóvel em litígio. Ademais, requer a denunciação à lide da EMGEA – Empresa Gestora de Ativos. Em razões de mérito, alega a impossibilidade de identificação do imóvel em litígio, haja vista a ausência de indicação do número pela autora. Em seguida, alega ter adquirido o imóvel em 20/06/1999, do Sr. Manoel Messias Silva dos Anjos, pelo valor de R$35.000,00, acertando o pagamento em várias parcelas, a serem pagas junto à Caixa Econômica Federal. No entanto, os boletos deixaram de ser enviados pela CEF a partir de março/2002. Não houve cobrança ou execução que chegasse ao conhecimento do demandado, o qual tem o domínio do imóvel há aproximadamente 10 anos. Ao final propõe o seguinte acordo: que a requerente pague ao requerido o valor correspondente às benfeitorias acrescidas ao imóvel, bem como os valores pagos e despesas feitas junto à CEF. Não havendo que se falar em posse injusta, pugna pela total improcedência dos pedidos autorais.

Réplica às fls. 35/36.
A tentativa de conciliação restou infrutífera. Pela demandada foi proposta a devolução da quantia paga pela requerente, em uma prestação, pela compra do imóvel junto à Caixa Econômica Federal.

É o relato breve. DECIDO.

A matéria agitada nos autos é essencialmente de direito (propriedade imobiliária/aquisição/CEF/ocupação/imissão de posse). Os aspectos fáticos são de completa compreensão pelo exame da documentação trazida pelas partes aos autos. Impõe-se, assim, o desate da questão pelo mérito no estado em que se encontra o processo.

Inicialmente, analiso o pleito de denunciação à lide da EMGEA – Empresa Gestora de Ativos. Compulsando os autos, verifica-se que a referida empresa foi, de fato, a outorgada vendedora do imóvel à requerente, conforme avistável na escritura pública de compra e venda acostado às fls. 09/12. No entanto, não se verifica no caso dos autos, como veremos detidamente mais adiante, a reinvidicação da coisa pelo terceiro (art. 70, I, CPC), qual seja, o requerido. Assim, indefiro a denunciação.

Pois bem. Cumpre de logo o registro de matéria absolutamente incontroversa, afirmativa da aquisição pela autora do imóvel identificado na escritura pública de fls. 09/12. Consequentemente, a posse resulta como o mais sensível sinal exteriorizador deste direito, e sua fruição foi obstada pela ocupação por parte do réu. Aí reside a controvérsia, sustentando o réu a legitimidade para esta ocupação, segundo consta, por força de contrato de compra e venda com o antigo proprietário, Sr. Manoel Messias Silva dos Anjos.

Esclareça-se primeiramente que o número do imóvel em litígio é 786, conforme avistável tanto na Escritura Pública de Compra e Venda de fls. 09/12 (juntada pela autora) como no Contrato de Cessão de Direitos, Obrigações e Posse de fls. 29/29-v (juntado pelo réu).

Observa-se que o referido Contrato de Cessão de Direitos, Obrigações e Posse refere-se ao imóvel em litígio, constando como cedentes James Servulo Santos e sua esposa Inês Santana Santos e como cessionário Manoel Messias Silva dos Anjos. Mais adiante (fls. 32/33) verifica-se a cópia não registrada em Cartório de um contrato de compra e venda e cessão de direitos e obrigações firmado entre o Sr. Manoel Messias Silva dos Anjos (vendedor) e o Sr. Delio Evangelista da Silva (comprador), ora demandado. Tais contratos não constam da cadeia constante do registro de imóveis acostado às fls. 13/15, no qual se observa a existência de um registro pelo qual James Servulo Santos e Inês Santana Santos se constituíram devedores da Caixa Econômica Federal. O referido registro foi levado a efeito em 10/03/1997, enquanto o contrato de cessão firmado entre os devedores e Manoel Messias Silva dos Anjos foi feito mais de um ano depois (08/04/1998), e entre este e o réu em 20/06/1999.

Percebe-se, no meio de todo esse imbróglio, que o requerido adquiriu o imóvel ao Sr. Manoel Messias Silva dos Anjos, mediante o pagamento de determinada quantia, tudo acertado mediante um contrato particular sem registro em Cartório. Em determinado momento deixou de receber os boletos bancários referentes às parcelas acordadas para o pagamento. Apesar disto, não procurou saber o motivo, mantendo-se inerte nesse ponto específico, sem tomar conhecimento, afinal, do estaria acontecendo e, principalmente, qual a situação cartorária ou até mesmo jurídica do imóvel em questão, o qual, ao que parece, já tinha como seu. Certamente algo deveria estar errado.

O tempo foi passando, ele foi ficando, e como ele mesmo diz, jamais tomou conhecimento de qualquer ação judicial para reinvidicação da dívida, tampouco do imóvel. Como se tivesse sido premiado com a dispensa das demais prestações. Tanto é que numa tentativa desesperada de amenizar os prejuízos causados pela perda iminente do bem, propõe que a autora lhe pague todas as benfeitorias e valores pagos à CEF “que tudo será solucionado”. Mais que isso, por ocasião da audiência de conciliação propõe a “devolução” à autora da quantia paga à CEF, ao que se vê, na ânsia de manter-se na posse do bem a qualquer custo. Tal proposta demonstra simplesmente o reconhecimento do réu ao direito da autora (!).

Com relação às benfeitorias, se o réu achou de efetuar o investimento mesmo dentro destas condições, quem lhe deu o suposto prejuízo por certo não foi a autora, mas provavelmente o antigo proprietário. Tome-se ainda o período em que ocupou o imóvel, considerando a média do que se poderia apurar para efeito da aventada compensação. Em suma, nada há a reclamar da autora, e esta, induvidosamente proprietária do imóvel em questão, conta com pleno respaldo legal para o amplo exercício deste direito, especialmente pela fruição de sua posse.

Sobre as perdas e danos reportadas no item 8 de fls. 02, reputo como devidas no importe de R$500,00 por mês (15 meses – julho/2008 a setembro/2009), desde a arrematação, período em que a autora não pode dispor livremente do imóvel adquirido de maneira legítima.

É o que basta.

Isto posto, sem mais delongas, julgo PROCEDENTES os pedidos elancados na exordial, consolidando definitivamente a posse da proprietária sobre o imóvel identificado às fls. 09/12, condenando o réu ao pagamento de indenização no valor de R$7.500,00, atualizado pelo INPC da data desta decisão e juros de 1,0%, não cumulativos, desde a citação, além das custas processuais e verba honorária que fixo em 10% do valor da condenação, após atualizado.

Por fim, fica o vencido advertido da incidência automática do contido no art. 475-J do CPC (caso não haja pagamento voluntário da obrigação no prazo de 15 dias, contados da ciência do trânsito em julgado desta decisão por seu patrono), a despeito de nova intimação.

Proceda-se à alteração do polo passivo (capa dos autos/SCP), fazendo-se constar o nome do sócio da empresa, Delio Evangelista da Silva.

P.R.I.

Aracaju, 29 de setembro de 2009.



Fernando Clemente da Rocha
Juiz(a) de Direito

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