terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR E COMERCIAL. CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL - LEASING - CLÁUSULA DE CORREÇÃO VINCULADA À VARIAÇÃO DE MOEDA ESTRANGEIRA. INDEXAÇÃO SUJEITA À PROVA DA CAPTAÇÃO DE RECURSOS EM DÓLAR NO EXTERIOR. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA ORIGEM FINANCEIRA. ÔNUS DA ARRENDADORA NULIDADE DECLARADA. PEDIDO PROCEDENTE.

Processo nº 001.2001.025535-5

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR E
COMERCIAL. CONTRATO DE ARRENDAMENTO
MERCANTIL - LEASING - CLÁUSULA DE CORREÇÃO
VINCULADA À VARIAÇÃO DE MOEDA ESTRANGEIRA.
INDEXAÇÃO SUJEITA À PROVA DA CAPTAÇÃO DE
RECURSOS EM DÓLAR NO EXTERIOR. AUSÊNCIA DE
DEMONSTRAÇÃO DA ORIGEM FINANCEIRA. ÔNUS DA
ARRENDADORA NULIDADE DECLARADA. PEDIDO
PROCEDENTE.


SENTENÇA
Vistos, etc...

AELDA VALENÇA FERNANDES LIMA, já devidamente qualificada no bojo dos presentes autos promove a presente Ação Ordinária declaratória de nulidade de cláusula contratual, com pedido de Antecipação de Tutela, contra o CITBANK LEASING S/A – ARRENDAMENTO MERCANTIL, satisfatoriamente identificado nos autos, sob a afirmação de que celebrou contrato de financiamento com a Demandada - leasing pela variação cambial do dólar americano - concernente ao veículo automotivo marca Volkswagen, Modelo Gol 1000, ano 1998, mediante o pagamento de 36 parcelas mensais no valor de US$ 507,85 (quinhentos e sete dólares americanos e oitenta e cinco cents).

Alega a autora a cláusula de correção monetária do contrato de arrendamento mercantil, notadamente quanto ao reajuste vinculado à variação de moeda estrangeira seria ilegal.
Noutros termos, assevera que a superveniência de fatos imprevisíveis (alta súbita e demasiada da moeda norte americana) tornou excessivamente onerosa a contraprestação por parte da arrendatária, motivo pelo qual, em acordo com a instituição financeira ré efetivou o pagamento das referidas prestações corrigidas com base no INPC e demais encargos contratuais.

Adimpliu regularmente o repactuado, liquidando integralmente as 36 parcelas contratadas, todavia, negou-se a providenciar a transferência do veículo sob o fundamento de existir em aberto saldo devedor, no importe de U$ 4.204,06 (quatro mil, duzentos e seis dólares americanos e seis cents). Propugnou pela concessão de tutela antecipada com o escopo de transferir imediatamente o bem para sua esfera de patrimônio.

Colacionou todos os documentos indispensáveis à propositura da presente ação, dentre eles o Instrumento Particular de Arrendamento Mercantil, comprovantes de pagamento e nota fiscal do veículo objeto do arrendamento. Por intermédio da decisão interlocutória de fl. 33 dos autos foi indeferida a antecipação pleiteada.

Citado regularmente, conforme se infere do 'AR' de fl. 38 dos autos,
ad tempus, o agente financeiro réu apresentou resposta em forma de contestação, defendendo a legalidade do reajuste em foco em decorrência do risco natural do negócio, entendendo ser inaplicável a Teoria da Imprevisão. Noticiou, ainda, a existência de ação civil pública manejada pelo Ministério Público Estadual visando fixar o INPC como índice de reajuste dos contratos com indexação pela variação cambial. Aduz, também que a mencionada ação estaria em grau de recurso, sendo a hipótese de manutenção dos termos contratados, notadamente, a variação cambial. A decisão interlocutória de fl. 75 dos autos determinou o sobrestamento do
curso processual até o deslinde da mencionada Ação Civil Pública. Através do petitório de fls. 89/103 dos autos, a parte demandante requereu a retomada do curso processual, sob o fundamento de inexistir prejudicialidade entre esta demanda e a referida ação civil.

Em sucessivo, vieram-me os autos conclusos.

Tudo bem visto e minuciosamente examinado. Relatados. Decido:

Na verdade, não obstante o contrato de adesão para arrendamento mercantil do automóvel descrito nos autos ter sido celebrado com a Fiat Leasing S/A
Arrendamento Mercantil, vislumbra-se sem muito esforço que esta pertence ao mesmo grupo econômico do Banco Fiat, ora Réu, ambos fazendo parte do Holding FIAT (Empresa que adquire a totalidade ou a maioria das ações de outras, que passam a ser suas subsidiárias), figurando o Banco como o braço financeiro do conglomerado e a Leasing Arrendamento como responsável pela celebração/administração dos contratos, sendo certo que são empresas
integrantes do mesmo agrupamento societário/sociedades consorciadas, visando a reunião de esforços para a execução de empreendimentos, existindo, por conseguinte, responsabilidade solidária e subsidiária, nos termos dos parágrafos terceiro e quarto do artigo 28 do Códex Protecionista. Suplantada a preliminar, passemos à questão de fundo.

Resolvidas as questões processuais passava a análise do meritum causae.

A hipótese comporta julgamento antecipado da lide, eis que a prova
documental é suficiente para o sentenciamento, não se justificando a abertura de dilação probatória (cf. art.330, inciso I do Código de Processo Civil).

Não existe prejudicialidade entre a presente demanda e a ação civil
pública ajuizada pelo ministério público estadual, pois, nada obstante aquela ação com força coletiva tenha efeito erga omnes, não tira da parte o direito de manejar ação individual para ter pronunciamento judicial específico. Sobre a matéria pertinente transcrever precedente jurisprudencial da corte infraconstitucional:

"SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - EMENTA: CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO COLETIVA E AÇÃO INDIVIDUAL. AUTONOMIA. REUNIÃO DE PROCESSOS. COMPETÊNCIA ABSOLUTA. MODIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A ação individual pode ter curso independente da ação coletiva para defesa de direitos individuais homogêneos. 2. A competência absoluta não pode ser modificada por conexão ou continência (CPC, art. 102). 3. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 2ª Vara Cível de São José dos Pinhais/PR, o suscitado. (Processo CC 41953/PR; CONFLITO DE COMPETENCIA
2004/0038836-3 Relator(a) Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI (1124) Órgão Julgador S1 - PRIMEIRA SEÇÃO Data do Julgamento 25/08/2004 Data da Publicação/Fonte DJ 13.09.2004 p. 165)."

Logo, cabível a retomada do curso processual.

A fim de solucionar o presente conflito, cumpre fazer, de início, algumas considerações sobre a legalidade de se prevê contratualmente o reajuste vinculado à variação cambial. Até o advento da Medida Provisória n. 480/94 que deu origem a Lei 8.880/94, a jurisprudência tolerava o uso da variação cambial como critério de atualização:

"COMERCIAL. VALIDADE DE CONTRATO CELEBRADO EM
MOEDA ESTRANGEIRA. PAGAMENTO EM CRUZEIRO.
EXEGESE DA NORMA CONTIDA NO ART. 1º DO DEC. LEI N.
857/69. LEGÍTIMO É O PACTO CELEBRADO EM MOEDA
ESTRANGEIRA, DESDE QUE O PAGAMENTO SE EFETIVE
PELA CONVERSÃO EM MOEDA NACIONAL. ALEGAÇÃO DE
NULIDADE DO AJUSTE, POR SUPOSTA VIOLAÇÃO AO ART. 1º
DO DEC. LEI N. 857/69, NÃO FAVORECE OS PARTÍCIPES NA
CELEBRAÇÃO DO NEGÓCIO PORQUE ESTARIAM TIRANDO
PROVEITO DA PRÓPRIA TORPEZA. O LEGISLADOR VISOU
EVITAR NÃO A CELEBRAÇÃO DE PACTOS OU OBRIGAÇÕES
EM MOEDA ESTRANGEIRA, MAS SIM, AQUELES QUE
ESTIPULASSEM O SEU PAGAMENTO EM OUTRO VALOR
QUE NÃO O CRUZEIRO - MOEDA NACIONAL - RECUSANDO
SEUS EFEITOS OU RESTRINGINDO SEU CURSO LEGAL.
INTELIGÊNCIA DO ART. 1º DO DEC. LEI N. 857/69.
PRECEDENTES: RESPS NS. 4.819.RJ E 11.801.0.RJ. RECURSO
NÃO CONHECIDO" (STJ-3A TURMA, RESP 36.120.6.SP, REL.
MIN. WALDEMAR ZVEITER, J. 21.9.93, NÃO CONHECERAM, V.
U., D.J.U. 22.11.93, P. 24.948). IN. CÓDIGO DE PROCESSO
CIVIL E LEGISLAÇÃO PROCESSUAL EM VIGOR -
THEOTONIO NEGRÃO - 30A EDIÇÃO - EDITORA SARAIVA.

Hoje, no entanto, não mais se justifica uma previsão dessa natureza,
porquanto o art. 6º da lei 8.880/94 veda, claramente, o uso desse critério atualizatório para reajuste das obrigações em geral, estabelecendo, entretanto, algumas exceções, dentre elas, a que se refere aos contratos de arrendamento mercantil, celebrados entre pessoas residentes e domiciliadas no país, com base em captação de recursos provenientes do
exterior. ("Art. 6º - É nula de pleno direito a contratação de reajuste vinculado a variação cambial, exceto quando expressamente autorizado por lei federal e nos contratos de arrendamento mercantil celebrados entre pessoas residentes e domiciliadas no país, com base em captação de recursos provenientes do exterior.").

Com efeito, ao excepcionar, andou bem o legislador, porquanto se v.g.
o banco tem o dever de pagar, com base em moeda estrangeira, aquilo que adquiriu fora do país para financiar o bem arrendado, não seria justo que o arrendatário efetuasse o pagamento desprezando a variação cambial. Nessa mesma linha de raciocínio é que, antes mesmo da tão falada lei 8.880/94, muitos assim decidiam:

"EMBARGOS DO DEVEDOR. EXECUÇÃO.
EMPRÉSTIMO EM DÓLARES. RESOLUÇÃO 63 DO BANCO
CENTRAL. VALIDADE DA CLÁUSULA QUE CONVENCIONA
QUE O DÉBITO SERÁ CALCULADO TOMANDO-SE POR BASE
A TAXA DA MOEDA ESTRANGEIRA, SE HOUVE AQUISIÇÃO
DESSA POR PARTE DO BANCO REPASSADOR. A TEORIA
DA IMPREVISÃO NÃO SE APLICA A QUEM SE SUBMETE A
BOLSA DE VALORES OU MUNDO DO CAMBIO, ONDE AS
OSCILACOES DA MOEDA, PARA MAIS OU PARA MENOS,
FAZEM PARTE DO JOGO. O RISCO, EM TAIS CASOS, É
PERFEITAMENTE PREVISIVEL E INTEGRA A NATUREZA DE
TAIS NEGOCIOS ALEATÓRIOS. A NECESSIDADE DE
TRANSFORMAÇÃO DA TAXA DA MOEDA AMERICANA PARA O
CRUZEIRO, NÃO EXTRAI A LIQUIDEZ DO TÍTULO, PORQUE SE
CUIDA DE TOMAR POR BASE A TAXA VIGENTE QUANDO DO
DIA DO RESGATE, TRATANDO-SE DESINGELA OPERAÇÃO
ARITMÉTICA. TEORIA DA IMPREVISÃO NÃO INCIDENTE NA
ESPÉCIE. RECURSO PROVIDO PARA SE REJEITAREM OS
EMBARGOS. DECISÃO: DADO PROVIMENTO. UNÂNIME.(
Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul . Rec.184037646 -
22/11/1984 - 4a Câmara Cível - Relator Décio Antônio Erpen." In.
JUIS - Jurisprudência Informatizada Saraiva - nº 07 - 1º
Trimestre/97).

Como o caso em julgamento não se enquadra nas exceções legais,
conquanto inexiste prova de captação de recursos no exterior, não resta opção senão reconhecer nula, de pleno direito, a cláusula que autoriza o reajuste na forma atacada, circunstância que dispensa o exame de outros temas, sobretudo a suposta imprevisibilidade de fatos, já que não surte efeito para o desfecho desta causa, em face da nulidade ora reconhecida. Sobre o tema também já se posicionou o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco:

"Ementa: AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO.
LEASING. CORREÇÃO VINCULADA AO DOLAR NORTE-
AMERICANO.Não comprovada a efetiva captação, pelo arrendador,
de recursos oriundos do exterior, é de ser confirmada a decisão do
primeiro grau, no sentido de que nula se apresenta a cláusula
contratual que determina o reajustamento das prestações previstas
em contrato de arrendamento mercantil, com base na variação
cambial do dólar norte-amaricano.Improvimento do apelo. Unânime.
Decisão: À unanimidade, negou-se provimento ao apelo". (Tipo do
Processo: Apelação Cível Nº do Processo: 73743-3 Comarca:
Recife Relator: Márcio Xavier Revisor: José Fernandes Órgão
Julgador: Quinta Câmara Cível Data Julgamento: 15/02/02
9:00:00 Publicação: Nº DJ: 54 Data da Publicação: 21/03/02).


Ex positis, JULGO PROCEDENTE o pedido vestibular reconhecendo a nulidade da cláusula mencionada no corpo da fundamentação deste decisum, por abusiva a indexação do contrato de arrendamento mercantil atrelada ao dólar, especialmente quando o agente financeiro não demonstra a origem do recurso emprestado, devendo o aludido indexador ser substituído pelo INPC, outrossim, existindo prova nos autos que todas as prestações foram quitadas com base no mencionado índice (INPC), declaro cumprida a obrigação jurídica contratada pela autora, condenando, por conseguinte, a parte ré na obrigação de fazer consistente na transferência do veículo objeto do mencionado contrato para o nome da autora, no prazo de 30(trinta) dias, sob pena de multa diária de R$200,00(duzentos reais), nos termos dos artigos 461 e seguintes do Código de Processo Civil. Pelo princípio da sucumbência, condeno a Ré a arcar, ainda, com o pagamento das
custas processuais adiantadas pela parte autora e a verba honorária advocatícia, esta arbitrada em 20% sobre o valor emprestado à causa.
Publique-se. R.I.
Recife, 09 de agosto de 2006.

Emanuel B. C. Amaral Filho.
Juiz de Direito

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